Odontogeriatria

   O objetivo deste artigo foi de relatar algumas estratégias preventivas em Odontogeriatria. O envelhecimento populacional traz um número enorme de implicações como as mudanças fisiológicas, as doenças sistêmicas, as deficiências físicas e mentais, dentre outras. Mas a Odontogeriatria é uma ciência fundamental não somente no tratamento curativo, restaurador, como no que se refere à medidas preventivas. Concluíu-se que os governantes necessitam investir maiores recursos na questão da Odontogeriatria e neste aspecto as atividades preventivas educacionais odontogeriátricas são imprescindíveis e devem ser realizadas frequentemente pelos cirurgiões-dentistas. Os profissionais devem conhecer os aspectos biopsicossociais da terceira idade, e através de estratégias preventivas, proporcionar a promoção de saúde com o intuito da qualidade de vida nesta faixa etária.

Introdução
   Nas últimas décadas, tem sido constatado um declínio nas taxas de natalidade e um aumento na expectativa de vida, com consequente crescimento da população idosa, graças ao desenvolvimento da ciência e de novas tecnologias, que tem como objetivo a melhora na qualidade de vida. E quanto mais longa a vida média da população, mais importante se torna o conceito de qualidade de vida, e a saúde bucal tem um papel relevante nisso. Saúde bucal comprometida pode afetar o nível nutricional e o bem-estar físico e mental e diminuir o prazer de uma vida social ativa.
   Os idosos com mais de 80 anos passarão de 69 milhões atuais para 379 milhões em 50 anos e esta faixa da população deve ser incluída em planos governamentais que visam à qualidade de vida destes indivíduos. 
   Envelhecer e manter a qualidade de vida, com saúde geral e bucal, serão os grandes desafios a serem alcançados neste século. Tratar do idoso representará a manutenção e o aprimoramento da qualidade de vida dessas pessoas e um grande aprendizado para o envelhecimento.
   O envelhecimento populacional traz um número enorme de implicações de ordem econômica, política e social e o conhecimento das alterações sistêmicas no idoso, incluindo incapacidades, saúde psíquica e comportamento social, compõe a totalidade da realidade de um paciente cuja cavidade bucal deve ser incluída em um amplo contexto a ser conhecido e considerado pelo cirurgião-dentista.
   Tendo em vista o crescimento da população de idosos, este artigo tem o objetivo de relatar algumas estratégias preventivas em Odontogeriatria ( sin: Odontologia Geriátrica).

Revisão da Literatura e Discussão
   Historicamente existem deficiências acumuladas pelo sistema de saúde no tratamento odontológico no idoso, como por exemplo, o despreparo de tal sistema para preencher as necessidades especiais do idoso, a educação inadequada para treinamentos dos cirurgiões-dentistas interessados em Odontogeriatria e a má distribuição dos dentistas em regiões mais carentes. 
   A saúde do idoso sofre forte impacto da aposentadoria, pois leva o mesmo a maior exposição a doenças associadas a inatividade física, tendo como principais fatores a ociosidade assim como a segregação, levando à deterioração gradual dos processos sensoriais, e também induzindo o indivíduo a isolar-se e desenvolver enfermidades crônicas ou degenerativas pelo próprio processo de envelhecimento.
   A situação epidemiológica em termos de saúde bucal da população idosa no Brasil pode ser classificada como bastante severa e grave, pois a ruína da dentição é cada vez mais rápida. Então, um dos temas centrais na melhoria da qualidade de vida dos idosos brasileiros, sendo já considerado como questões epidemiológicas e demográficas, é o edentulismo. A perda da dentição influi sobre a mastigação, digestão, gustação, pronúncia, aspecto estético e predispõe a doenças geriátricas e os pacientes edêntulos apresentam condições de saúde geral mais precária, mais incapacidades físicas e maior chance de mortalidade do que em pacientes dentados. Além disso, na área da Odontogeriatria, os estudos apontam, além do edentulismo, uma alta prevalência de cáries coronárias e radiculares, doenças periodontais, desgastes dentais, dores orofaciais, desordens têmporo-mandibulares, alterações oclusais, hipossalivação e lesões de tecidos moles.
Infelizmente, oito milhões de brasileiros com mais de 65 anos padecem pela falta de políticas públicas adequadas e tratamento especializado. Por isso, a realização de procedimentos específicos em programas de saúde pública para a população idosa se faz necessária, visto que esta faixa etária vem aumentando a cada ano que passa. Existe, então, a necessidade de se revisar o planejamento dos governos o mais rápido possível e os poderes públicos precisam investir maiores recursos na questão da Odontogeriatria para que resultados mais promissores sejam alcançados, uma vez que é notoriamente sabido que "a saúde bucal é altamente responsável pela saúde geral do indivíduo". 
   Entende-se por envelhecimento o fenômeno biopsicossocial que atinge o homem e sua existência na sociedade. Manifestando-se em todos os domínios da vida, inicia-se pelas células, passa aos tecidos e órgãos e termina nos processos extremamente complicados do pensamento. Esses processos são de natureza interacional, iniciam-se em diferentes épocas e ritmos e acarretam resultados distintos para as diversas partes e funções do organismo. O envelhecimento é um novo desafio para a saúde pública contemporânea, bem como um fator de risco para várias doenças bucais, devido às alterações funcionais fisiológicas próprias do idoso. As manifestações orais do envelhecimento modificam bioquimicamente o ambiente na cavidade oral, podendo contribuir para o desenvolvimento da halitose, para a produção de saburra lingual (placa bacteriana que recobre a língua) que possivelmente causa problemas sistêmicos e doenças bucais como a cárie e a doença periodontal.
   A redução do fluxo salivar provoca uma maior retenção de células epiteliais descamadas, restos alimentares e maior acúmulo de microorganismos, podendo levar ao aparecimento da cárie, que é uma infecção que destrói bioquimicamente os tecidos mineralizados dos dentes. Em pacientes acima de 50 anos de idade, a cárie atinge o cemento dental e é produzida pelo Actinomyces Viscosus que têm como hábitat normal as papilas filiformes da língua. Já as doenças periodontais, estão quase sempre associadas com a halitose, sendo que as bactérias que causam a doença periodontal também se acumulam na placa bacteriana lingual. Vale ressaltar que o incremento no índice de cáries radiculares no idoso está relacionado à exposição das raízes, quase sempre expostas por problemas periodontais e não relacionado à idade. Outros fatores que também influenciam no desenvolvimento destas são a xerostomia, a mastigação deficiente motivada pela perda de dentes e a dieta cariogênica.
   A prevenção da doença periodontal e da cárie é alcançada pela erradicação das causas desses processos pela eliminação e controle da placa bacteriana e para prevenir estas doenças é fundamental o desenvolvimento de uma higiene oral bem executada, através do uso de dispositivos como escova, fio dental, escova interdental, dentifrícios fluoretados e soluções para bochecho. A escovação requer o emprego de técnicas adequadas, e no caso dos idosos, a técnica de Bass modificada é uma das mais recomendadas. Para complementar a limpeza da escova, a utilização de fio dental e das escovas interdentais se faz indispensável para as regiões interproximais dos dentes nos sulcos gengivais. Os dentifrícios fluoretados têm uma significativa ação cariostática, que aumenta com o passar dos anos de uso. Já as soluções enxaguatórias na sua grande maioria apresentam alguma ação na eliminação e controle da placa bacteriana, como as soluções à base de clorexidina, ainda que seu uso constante é visto com certas restrições.
Devido ao aumento da população de idosos com complicações múltiplas e a necessidade da realização de uma odontologia com ênfase no tratamento como um todo, o conhecimento das doenças crônicas presentes torna-se de fundamental importância. As doenças crônicas mais comuns em idosos são as respiratórias, condições coronárias avançadas, debilidade renal, doenças cardiovasculares, artrite, distúrbios emocionais ou psicológicos como ansiedade ou depressão e endócrinas como a diabetes tipo dois. Então, é de extrema importância considerar os eventuais distúrbios sistêmicos que podem envolver a cavidade bucal na sua apresentação clínica, como por exemplo, um paciente diabético não controlado pode ter os tecidos bucais edemaciados, sendo válido sinalizar que o diabetes favorece o aparecimento da doença gengival. Além disso, o diabetes produz halitose e dificulta a cicatrização.
   Não é incomum pacientes apresentarem gengivites e periodontites de difícil controle em função de glicemia elevada. Além disso, a infecção gengival dificulta o tratamento do diabético. Mas é importante mencionar que os pacientes diabéticos frequentemente apresentam doenças cardiovasculares e estão mais susceptíveis a processos infecciosos se a doença não está sendo adequadamente controlada. As doenças cardiovasculares e o tratamento médico dispensado a pacientes cardíacos podem levar a emergências durante o tratamento dentário. O controle constante da pressão arterial e da terapia com anticoagulantes é indispensável. No caso dos pacientes com Endocardite infecciosa é aconselhável a prescrição de antimicrobianos para prevenir bacteriemias, antes dos procedimentos odontológicos., Em relação à artrite, recomenda-se o posicionamento e o conforto nas atividades gerais destes pacientes, além de executar as atividades com suavidade, respeitando a dor e a tolerância, e evitar atividades que envolvam apreensão forte. A higienização bucal pode se tornar difícil para os pacientes com artrite e outras doenças reumáticas deformantes e então recomenda-se engrossar o cabo das escovas dentais e também apertar o tubo do creme dental com as palmas das mãos, para que a força possa ser mais bem direcionada. A escova elétrica pode ser também utilizada pelo paciente portador de artrite, embora a escova manual utilizada com movimentos circulares e suaves permita maior estímulo articular. Para uma higiene bucal satisfatória de pacientes idosos portadores ou não de artrite, mas que apresentem menor capacidade funcional ou cognitiva, deve-se contar com o apoio de um cuidador para complementação da higiene, com escova elétrica, além também de dispositivos em forma de "y" para utilização do fio dental (ou suportes para fio dental) ou escovas interdentais, realizando o enxágue, em caso de paciente acamado, com o auxílio de seringa descartável 
e cuba do tipo rim.
Algumas doenças específicas associadas ao processo de envelhecimento, além do diabetes e das doenças cardiovasculares, são a doença de Alzheimer/demência e a osteoporose. A doença de Alzheimer e a demência vascular, além de outras doenças debilitantes e progressivas como o Parkinson, podem levar à dependência total em estágios avançados. Os pacientes com doença de Alzheimer/demência podem apresentar diferentes níveis de dificuldade de comunicação e de comportamento, são casos típicos de pacientes que precisam de tratamentos em casa, onde o direcionamento da atenção odontológica deve ser baseado na fase em que se encontra a doença com o estabelecimento de uma rotina eficaz de cuidados que poderá incluir flúor, educação preventiva e a utilização de digluconato de clorexidina. Já a osteoporose pode levar à perda acentuada de osso alveolar e mais facilmente à fratura mandibular no caso de quedas ou de tentativas intempestivas de exodontias feitas por profissionais que não levam este ponto em consideração. 
   Os pacientes idosos ainda podem estar sujeitos a outras complicações próprias da terceira idade, como a depressão, perda da memória, estresse, aterosclerose, obesidade, incontinência urinária, alergias, anemia e lesões da mucosa bucal. Diante de um paciente com anemia ou hipossalivação, como na Síndrome de Sjögren, é importante que a escova dental tenha cerdas extramacias para menor risco de lesão do tecido gengival. No que se refere a lesões de mucosas, em uma revisão de literatura, as lesões mais frequentes relatadas em idosos institucionalizados foram as seguintes: hiperplasias fibrosas inflamatórias, estomatites, candidíases, queilite angular, associadas ao uso de próteses, além da presença de extensas hiperplasias de palato (causadas pelo uso de prótese total superior com câmara de sucção), e em menor número foram relatados leucoplasias e carcinomas. Como medida preventiva no caso de portadores de próteses, deve-se aconselhar os idosos a não dormirem com as 
mesmas, pois como os idosos são mais propensos a infecções o que facilitaria a contaminação por fungos, como a Cândida albicans, além de aumentar o risco de surgimento de lesões de tecido mole, oriundas de traumas ou mesmo devido em relação à halitose.
   Algumas deficiências crônicas podem ser encontradas no paciente geriátrico como a alteração auditiva, catarata, deficiência ortopédica, zumbidos, deficiência visual, glaucoma, ausência das extremidades, incapacidade para diferenciar cores, paralisia das extremidades. Além disso, muitos idosos têm medo do cirurgião-dentista, muitos têm instabilidade de postura, que os impossibilitam de deitar na cadeira ou levantar dela, muitos tem a mobilidade comprometida e dependem de cadeiras de rodas, bengalas, apoio de terceiros para caminhar, ou simplesmente não andam mais. E estas deficiências/alterações devem ser levadas em conta, uma vez que foi constatado que o paciente geriátrico que possue algum grau de dependência, têm uma deficiência na higiene oral e que representa o mais sério problema de saúde bucal.
   O tratamento do paciente idoso difere do tratamento da população em geral, devido às mudanças fisiológicas durante o processo de envelhecimento natural, da presença de doenças sistêmicas crônicas e da alta incidência de deficiências físicas e mentais nesse segmento da população, e com isso, a Odontologia Geriátrica ganha importância e deve incluir não somente tratamento protético, restaurador e periodontal, mas também medidas preventivas. E é neste sentido que os governos devem investir na questão da Odontogeriatria.
   As atividades educacionais em saúde bucal desempenham um papel fundamental na qualidade de vida de qualquer pessoa, em qualquer idade, pois a exemplo dos programas educacionais, atividades preventivas reduzem o risco de enfermidades bucais. Mas acredita-se que conhecer a percepção das pessoas sobre sua condição bucal deva ser o primeiro passo na elaboração de uma programação que inclua ações educativas, voltadas para o autodiagnóstico e o autocuidado, além de ações preventivas e curativas. Em um estudo onde analisaram-se algumas atividades preventivas educacionais odontogeriátricas, foi concluído que: a) as instruções de higiene, cuidados com dentes/próteses e a aprendizagem devem ser uma constante; b) a sensibilização e a motivação para o aprendizado devem ser uma preocupação incessante no contexto ensinoaprendizagem; c) a manutenção para uma modificação comportamental educacional, deve ser feita com atividades frequentes e diversificadas (verbal, demonstrativa) para que o indivíduo se sensibilize e se motive a aprender. Além disso, no estudo afirmou-se que é importante observar: a) o conteúdo do que se quer ensinar (informações básicas, técnicas adequadas e de fácil aprendizagem, qualidade e quantidade da informação); b) a maneira (escrita, verbal, explicativa, audiovisual, adequação de linguagem, demonstração prática); c) frequência (deve-se observar a motivação e interesse de cada um, sem sobrecarregar); d) público alvo (diversidades culturais, sociais e econômicas, limitações físicas para o desenvolvimento de atividades). 
   Mas para realizar as atividades educacionais, o cirurgião-dentista deve considerar com atenção e critério as peculiaridades familiares do idoso procurando adaptar às mesmas seus cuidados de saúde. Neste sentido, é necessário o conhecimento da arquitetura do domicílio, seus obstáculos ambientais, sua rotina de funcionamento de horários de trabalho, refeições etc., disponibilidade de apoio por parte de familiares, empregados ou agregados ao idoso, pois deve-se conhecer não somente o paciente como também a família e o seu responsável (cuidador) para ajudar o paciente na promoção de sua saúde bucal. No caso de idosos institucionalizados, qualquer programação que seja implementada deve estar adequada as características organizacionais da instituição e dos residentes. Além disso, o profissional deve também ser educador do cuidador, contribuindo para a organização, abrandamento e eficácia da rotina de cuidados que um idoso dependente impõe. 
   Como exemplo de ensinamento por parte do profissional, pode-se citar a técnica da higienização da mucosa desdentada com solução de digluconato de clorexidina a 0,12% sem álcool e gaze, que deve ser realizada pelo cuidador, além do incentivo que se deve realizar ao idoso dependente para deglutir várias vezes, evitando a manutenção de restos alimentares na cavidade bucal. Quando da elaboração de atividades preventivas educacionais odontogeriátricas, o profissional deve conscientizar-se de que o conhecimento por si só não é capaz de modificar hábitos. É fundamental a utilização de meios corretos de higienização e também a realização da motivação, pois embora com idades avançadas, indivíduos motivados têm capacidade de aprender, necessitando apenas de incentivo e orientação. Como medidas de orientação podem ser realizadas aquelas relacionadas quanto à limpeza regular diária dos dentes, as orientações quanto ao controle da dieta e orientações visando o fortalecimento da superfície dentária.

Conclusões 
   Baseado na literatura consultada, parece lícito chegar às seguintes conclusões:

- Os governantes, seja no âmbito municipal, estadual ou federal, de forma conjunta como ideal ou mesmo individualmente, devem criar políticas de prevenção e tratamento voltadas à terceira idade com a maior brevidade possível;
- Faculdades de Odontologia (graduação) e cursos de pós-graduação devem começar a formar profissionais, especialistas e professores com conhecimento dirigido à Odontogeriatria;
- Tais profissionais, além da parte técnica envolvida devem buscar analisar os aspectos biopsicossociais no atendimento ao paciente idoso, para direcionar uma atenção voltada às suas necessidades mais amplas;
- Um programa preventivo bucal eficiente é aquele individualizado para determinado paciente e que conte com o apoio de seus familiares e cuidadores devidamente treinados e informados para proporcionar uma promoção de saúde com o intuito de melhorar a qualidade de vida destes idosos mais debilitados físicamente.

Extraido de: https://www.copacabanarunners.net/odontogeriatria.html


Créditos:
© 2009 Marco Tulio Pettinato Pereira
Especialista em Saúde Coletiva (SLMandic), Saúde Pública (UNAERP) e Saúde da Família (UCAM)
Fernando Luiz Brunetti Montenegro
Mestre e Doutor FOUSP, Prof. Adjunto na UnG, Coordenador Saúde Bucal CEDPES e Casa Ondina Lobo
Flávia Martão Flório 
Mestre e Doutora FOP/UNICAMP, Profa. Fac. Uniararas, Especialista Saúde Coletiva (SLMandic).

"Este artigo é baseado na Dissertação de Especialização em Saúde Coletiva, que foi apresentada em Fevereiro de 2009 no Curso de Especialização em Saúde Coletiva do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic, Campinas, pelo Dr. Marco Tulio Pettinato Pereira, cuja dissertação foi aprovada com nota máxima".